A teledramaturgia brasileira
as novelas da minha vida, algo sobre a fé e uma poesia autoral
Tenho escrito uma personagem — para um futuro livro que escrevo para procrastinar a escrita de um atual — em que o momento de assistir novela com sua mãe é o único elo que faz existir uma relação saudável entre as duas. Minha personagem também sonha em ser atriz, o que faz desse quase ritual entre as duas um momento sagrado e compartilhado.
A primeira novela a ser exibida no Brasil e no mundo foi Sua vida me pertence (amo esses títulos dramáticos).
Com um clássico triângulo amoroso — mocinha apaixonada por um cara que não estava nem aí para ela porque gostava de outra, mas depois se apaixona pela mocinha —, Sua vida me pertence foi um verdadeiro marco na TV brasileira nos idos anos 50. Ainda mais porque nela também foi protagonizado o primeiro beijo da TV!
A importância das novelas na minha vida
Para mim, assim como para minha personagem, as novelas tiveram uma grande importância na minha infância e adolescência. Nada me empolgava mais do que sentar no sofá diante da TV de tubo com botões faltando — tínhamos que usar o palito de fósforo para ligá-la ou mudar os canais. A TV era o item principal da casa, o rack era quase um altar, e diante dele eu me sentava com extrema devoção. Uma coleguinha evangélica na época disse que eu iria para o inferno por assistir televisão. Bem, eu estava mais que disposta em afrontar Deus com meu amor às novelas. Não deixaria ninguém tirar aquele momento de mim. Meu escape. Um mundo delicioso de ilusões, intrigas, beijos apaixonados e finais felizes.
Sempre o final feliz.
Lembro que em muitas casas os vizinhos se reuniam para assistir novelas. Crianças, adolescentes, adultos e idosos. No interior, onde vive minha família materna, quando eu era pequena não tinha eletricidade, e vários vizinhos iam pra casa da minha tia, que tinha uma TV minúscula que funcionava com bateria. Ali, eu descobri o poder das novelas! Da união e emoção que um entretenimento poderia proporcionar. Era uma força avassaladora, essa coisa chamada NOVELA.
Meu coração disparava diante dos maiores sucessos das décadas passadas: A Viagem, Laços de Família, Por Amor, Xica da Silva, Chiquititas, Pantanal, O Clone, O Cravo e a Rosa, Chocolate com Pimenta, Amor e Revolução e tantas outras que me marcaram. Sempre fui noveleira, até que a chegada dos streamings mudou tudo. Hoje, não tenho saco ou paciência pra TV aberta. Desde Avenida Brasil não vejo mais comoção nacional diante de algum sucesso da teledramaturgia. Hoje, as novelas começam e terminam e eu nem sei, descubro através de uma notícia de IGs de fofoca que aparecem de forma aleatória. As propagandas, que antes aumentavam a ansiedade para ver a continuação de um capítulo, hoje me são abomináveis. Troquei as novelas pelos seriados. Não tenho tempo a perder com propagandas, não quero esperar o outro dia, quero assistir dez capítulos de uma única vez!
Sequelas da vida muito adulta. Do conteúdo em massa e de fácil acesso.
Ah! Mas existia uma magia em assistir novelas, esperar o próximo capítulo. Eu odiava ainda mais os domingos, pois não tinha novela. Um crime! As minhas favoritas foram: Mulheres Apaixonadas e Malhação (a da Vagabanda!). — Entre as mexicanas, minha outra paixão, foram Rubi, A Ursupadora, Maria do Bairro, Café com Aroma de Mulher e Rebelde. Não perdia um capítulo sequer das minhas novelas! Na banca de revistas ao lado da escola, perdia o tempo antes do sinal tocar lendo o que aconteceria nos próximos capítulos, morrendo de medo do dono me expulsar já que eu não iria comprá-las. Tudo tão longe agora!
Sinto falta de uma boa novela, do compromisso noturno ou da tarde de não ver a hora da melhor parte do dia começar. Uma deliciosa rotina que me preparou para escrever minhas próprias histórias, criar minhas tramas e personagens.
Fui noveleira com muito orgulho, e ainda bem que existe o Vale apena ver de novo, a Globoplay e outros acervos onde podemos encontrar os capítulos.
A teledramaturgia brasileira foi única para mim. Tempos de ouro!
o canto de unha
Tenho um canto de unha infeccionado
Desses que acho melhor não mexer
Melhor não usar sapato fechado.
Tentei dar um ou dois passos
Com o meu único e antigo par
Que ainda me serviam bem
Mas com eles tropecei e caí no trilho do trem
[Que por cima de mim deixei passar].
Caminho por cima de pedras, vidros
E pedaços de coração desiludido
E o canto de unha nem sinal de melhorar
Mesmo com o passar dos anos e das esperanças mortas.
[Alguns dias se passaram].
O canto de unha piorou
não consigo mais andar
Pego meu único e antigo par de sapatos e
Bato no meu dedo sem parar.
Sobre escrever uma newsletter
Vi um notes da Aline Valek em que ela enumerava seus pensamentos ao escrever uma newsletter e quero deixar aqui os meus:
1. Que idiotice
2. Não vou postar
3. Que assunto besta
4. Ninguém quer ler isso
5. Envio.
a fé
Ontem, eu estava com um grupo de amigos queridos, e em determinado momento a conversa foi pro lado da fé e das crenças de cada um. Já comentei uma vez sobre meu longo contato com a igreja evangélica — onde tive boas experiências com a fé —, mas que é algo para o qual eu jamais voltaria. Para a religião. Eu sou uma pessoa que acredita em tudo, eu não duvido de nada. Acredito que há muito entre o céu e a Terra. Acredito que há muito entre meus sentimentos e a racionalidade. A engrenagem humana é algo absurdo, magnifico, assustador, único. E nossa existência é um grão de areia na vastidão galáctica.
Mas durante a conversa, pude perceber algo em mim: uma certa apatia pelos assuntos espirituais, mesmo achando a fé algo lindo e necessário. Eu a tenho, ela se move em mim, no meu sangue amargo e no meu suor sagrado — aqui, roubando palavras do grande poeta Renato Russo.
Eu gosto da ideia de Deus, Jesus, até de Maria. No meu bairro, há diversas imagens dela nas praças e canteiros, cercada por flores. A maior Mãe de todas. Gosto de pensar nesse outro mundo “lá em cima”, mas não como a bíblia o descreve. Um senhor que vende roupas na praça, fica “pregando” quase todas as manhãs sobre esse Deus julgador, que vai separar os puros e impuros — esses serão jogados no Lago de Fogo. Também não acredito nisso. Abomino até a voz desse homem.
Gosto de pedir que Deus cuide das pessoas que amo — nos últimos anos, é a única coisa que peço. E assim vou seguindo. Curiosamente, hoje um outro senhor me entregou um panfleto religioso onde se lia: quem determina sua vida? Mesmo podendo ter uma certa margem de erro, respondo para mim mesma: eu. E passei o dia escutando Let it be, dos Beatles.
Deixe estar, então.
Até a próxima!