Aos risos, aos gritos, aos prantos
Considerações sobre os excessos e os perigos na adolescência: sexo precoce, drogas, violências e outras vulnerabilidades
Estudando alguns cenários da adolescência, tema que me interessa por conta do meu projeto literário, assisti novamente alguns filmes como Kids (1995), Aos treze (2003) e Eu, Christine F. - 13 anos, Drogada e Prostituída (1981), e foi desolador.
A quantidade de angústia, violência, abandono (familiar e social), dor e perigos que os adolescentes enfrentam, é assustadora!
Essa fase de não ser mais criança e ainda não ser uma adulta, foi marcada por cinco momentos de transformações para mim:
Quando tive minha primeira menstruação;
Quando meus seios começaram a crescer;
Quando dei meu primeiro beijo tão sem importância;
Quando eu comecei a me encher de raiva e vontade de me ferir por não suportar mais a violência do meu ex-padrasto com minha mãe;
Quando minhas amigas começaram a fazer sexo aos 12/13 anos.
Eu nunca me senti confortável na minha adolescência. Passei pela violência doméstica que minha mãe enfrentou, a descoberta de um pai biológico que nunca me quis, as paixões não correspondidas tão massacrantes, as amizades movediças, meu ódio do espelho no qual me via precisando perder quilos que nunca ganhei — mas que me fez tomar remédios de emagrecimento de forma irresponsável e desesperada, querendo alcançar o padrão de magreza das modelos. Dedos na garganta e dias inteiros sem me alimentar. Fome de tudo. De uma luz no fim do túnel daqueles desconfortos existenciais.
Coisas turbulentas e assustadoras por todos os lados. Coisas violentas e arrebentadoras por todos os lados. Eu sentia como se estivesse sendo esticada ao ponto de ruptura, estraçalhada, sozinha, desértica, entalada, odiosa, dolorida, aos risos, aos gritos, aos prantos.
Minha mãe, mesmo presente e apesar de todo zelo, nunca foi muito de conversar, ainda mais sobre coisas difíceis e embaraçosas. As outras mulheres da família só me diziam para não confiar em homem e ter cuidado para não ficar “falada” ou engravidar.
A adolescência, muitas vezes, pode se parecer com um mundo iluminado com luzes em neon, mas que também é cercado por becos muito, muito escuros. Na fase da adolescência há também o contato com as primeiras paixões, com o desejo de sermos amados por alguém especial, escolhidos, os sentimentos confusos causados pelos ciúmes, pelos términos, as descobertas sexuais e o lado emocional de lidar com elas ou de sua completa banalização. As delícias, assim como os perigos e as violências, estão por toda parte: há drogas, acesso a bebidas, ao sexo precoce — no qual podemos acrescentar os perigos do aliciamento à prostituição e a vulnerabilidade aos abusos sexuais diversos—, o bullying, a automutilação, os distúrbios alimentares, a criminalidade e tantos outros riscos. Muitas vezes, o contato inicial do adolescente com o sexo precoce e o uso de drogas e álcool, por exemplo, pode estar mais relacionado com a influência e/ou com a decepção nas relações familiares, de amizade e amorosas, do que de uma vontade genuína em experimentar.
A necessidade de serem aceitos pode levá-los a lidar com situações perigosas. A busca por amor nos lugares errados, também.
Fora da proteção da família — e da sociedade —, o que resta para o adolescente sem orientação e cuidado? São inúmeras as alternativas nocivas, e nessa fase da vida não temos tanto medo. O adolescente pode ir da diversão saudável e da busca pela sua identidade até viver à beira do abismo, ameaçando se jogar o tempo inteiro com a imprudência e a ilusão de que não há consequências.
Mas elas existem, e podem ser terríveis, podem decidir toda uma vida.
Os filmes Kids, Aos treze a Christine F. são retratos de adolescências nocivas e cheias de extremos:
KIDS: Sexo precoce, abuso de álcool, estupro de vulnerável, HIV
No filme Kids, acompanhamos um grupo de jovens em um dia pela cidade de Nova York, nos anos 90. Eles bebem, usam drogas, fazem sexo sem camisinha, são expostos ao HIV, passam por abusos sexuais. São jovens vulneráveis a todas as descobertas de si, de suas vontades, de seus desejos. São cheios de dúvidas, violência, tristeza, paixão, falta de limites e vazio.
AOS TREZE: Sexo precoce e dependência em drogas
A atriz Nikki Reed — a Rosalien de Crepúsculo —, foi co-autora de Aos 13, o qual foi baseado em experiências reais de sua adolescência. Com a influência de uma nova amiga (a personagem da Nikki), uma garota cai na dependência das drogas, do sexo precoce e participa de alguns furtos. Vemos uma garota em completa queda e autodestruição. Em Christine F., também.
EU, CHRISTINE F., 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA: Sexo precoce, prostituição, dependência em drogas
Baseada na adolescência real da autora do livro — Christiane Vera Felscherinow —, e que deu origem ao filme, o drama, embalado por músicas do David Bowie, nos faz entrar na cabeça de uma menina com uma vida pacata e que sente uma extrema necessidade de acontecimentos. A rebeldia, algo tão comum na vida adolescente, se mistura com a vontade de liberdade, de frequentar os espaços “descolados” dos adultos. Mas Christine logo descobre que a diversão não é tão cintilante: “A podridão está em toda parte. É só dar uma olhada”, percebe em determinado momento da trama. É um dos filmes mais pesados sobre a degradação no universo jovem.
Ser um adolescente é conviver com sentimentos desproporcionais ao nosso nível de compreensão. É um turbilhão! É quando mais estamos emocionalmente vulneráveis. Todas as decisões parecem um passo em falso, uma corda bamba, e a orientação e o diálogo da família com essa juventude precisa ser constante — ainda que, infelizmente, também não seja uma garantia de que aquele jovem vá tomar boas decisões.
Mas repito: adolescente não é adulto. Então, qual é o nosso papel enquanto sociedade em auxiliar essa adolescência, ainda mais em um contexto de risco como os já citados e agravados pela era da internet? Talvez devêssemos começar por não menosprezar ou considerar suas questões como se fossem bobagens da juventude, e dar mais atenção e seriedade necessárias para que desenvolvam suas existências sem tantos traumas e erros irreversíveis.
No meu atual projeto de livro, também abordarei uma adolescência perigosa, mas não tão pesada como nos filmes citados (isso fará parte do meu segundo projeto). Mas também quero falar sobre o lado que pode ser muito bom nessa fase da vida.
Escrevi isso em uma publicação nos primórdios desta newsletter:
Quero escrever as conversas bobas e barulhentas no intervalo da escola ou dentro do ônibus, das inseguranças no espelho, das primeiras lágrimas de desilusão do primeiro coração partido. Quero falar sobre esses ainda frágeis humanos tentando encontrar seu lugar em um mundo tão cruel, mas tão colorido para amar para sempre.
(…)
Através do romance adolescente, quero sonhar mais uma vez com esse tempo que passou e que nunca vai voltar. Quando tudo era possível. Quando os sonhos eram tão altos e até poderiam ser desperdiçados só para viver o momento. Quando uma semana parecia uma hora ou um minuto parecia uma eternidade. Quando se podia ficar de bobeira, sem encanar muito com as responsabilidades.
Quando tudo que importava era viver um momento imenso de amor, desses sem tantas cicatrizes, com o coração acelerado, quase saindo pela boca.
Acredito que, quando se trata da proteção e orientação dos adolescentes, não cabe apenas à família ou a escola o dever de formá-los, mas de toda uma comunidade atenta as suas causas e necessidades. Na adolescência se pode ir da vida mais vibrante e entusiasmada para a mais degradante e perturbadora em um piscar de olhos. É preciso toda uma rede de apoio, inclusive política.
Se na infância o cuidado é ensinar a criança a falar, andar, se alfabetizar, pegar na mãozinha e ajudá-la atravessar a rua, ensiná-la a não falar com estranhos e tantos outros passos importantes para seu desenvolvimento, com o adolescente — apesar da maior autonomia — o cuidado é fazê-los chegar na tão sonhada maior idade vivos e o mais seguros possível — fisicamente e emocionalmente, e não deixá-los abandonados à própria sorte achando que assim aprenderão algo sobre amadurecimento. O adolescente ainda precisa ser cuidado. E ainda que eles tenham aprendido a atravessar a rua, os responsáveis e a sociedade não podem soltar suas mãos ainda.
Há carros desgovernados por todos os lados.
Há adolescentes desolados por todos os lados.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas
outras adolescências
◖O livro Os tais caquinhos, de Natércia Pontes;
◖O livro Mandíbula, de Mónica Ojeda;
◖O filme Vidas sem rumo (disponível na Prime, também livro);
◖O filme Confiar (disponível na Prime);
◖A série Dawson’s Creek (disponível na Prime, seis temporadas).
◖Na edição anterior de Tempo estranho
escrevendo meu livro e conhecendo a minha cidade (Fortaleza)
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima!
os adolescentes sempre acabam nesse limbo, né? não são protegidos como as crianças, nem levados a sério como adultos. o erro - nosso enquanto sociedade - é deixar esse vazio.
Anny, que texto bom. Na adolescência (e pré adolescência) buscava muito uma literatura que falasse desses sentimentos todos que invadem a gente nessa época da vida. Os filmes foram ótimos espaços para pensar e entender as coisas. Assisti Christiane F com 11 anos e aquela história me chocou de uma forma louca demais (tinha vontade de viver e não viver tudo aquilo). Demorei um tempo para ler o livro dela, já um pouco mais velha.
Um beijo.