Escrevendo em minhas paredes com sangue
A poesia enquanto atropelamento seguido de fuga
Debruçada sobre o caderninho de arame que custou vinte e cinco centavos. Eu, Karol (como era chamada pela família): 13 anos, entediada e sozinha. Lembro que eu escrevia uma poesia. Onde eu tinha ouvido falar: poesia? Quem me disse: poesia? Não lembro. Só sei que escrevi. Foram oito estrofes. A personagem era uma borboleta que queria ser livre. Nos meses seguintes, dezenas sobre coração partido, as amigas da escola, o lar desestruturado. Paredes sem reboco. Calangos visitantes. Matagal formando o caminho. O chão de terra batida deixando meus pés cinzentos. O futuro. Mas eu tinha descoberto: poesia. Um dia, minha mãe me deu um tesouro com cheiro de mofo e manchas amareladas: sua agenda/diário da adolescência. Lembro de alguns adesivos, um recorte de uma garrada Coca-Cola, um grupo de amigos sorridentes para uma marca de jeans, embalagens de icekiss, bobagens e mistérios. Aquela agenda/diário não parecia minha mãe, que abandonou a escola ainda no fundamental, que foi abandonada grávida de mim, que ficou presa em um casamento com um agressor, até que eu, aos 14 anos, a “forcei” à liberdade com ultimatos rebeldes, mas que nos salvaram. Ela deixou aquele homem, nos mudamos para os fundos da casa da minha avó de criação. Um quarto e banheiro. Antes, chiqueiro. E reconstruímos a vida. Sentimentos bélicos no caminho. Deixei a poesia. Vi pedra e só enxerguei pedra. Nos vinte anos, a poesia voltou. Atropelamento seguido de fuga. Eu não vou saber te descrever: poesia. Eu não vou saber falar: poesia. Talvez, minha primeira poesia tenha sido conseguir escrever a letra “u” cursiva, a letra que na infância para mim foi a mais difícil de aprender e a mais bonita. Eu desenhava a letra “a” e puxava outra perninha no lado esquerdo e apagava o fechamento de cima. A poesia pode ser apenas uma letra. Como explicar: poesia? A poesia é tão difícil, porque para tê-la é preciso a desfiguração do eu. De repente, um verso. Um título. Um livro. Ele já existe. Só para mim. Poesia dentro. Eu, pendida. E assim como Lana Del Rey andado de camisola como se fosse Sylvia Plath, eu também escrevendo em minhas paredes com sangue porque a tinta da minha caneta não funciona no meu caderno.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas
uma newsletter
◖A voz de Lolita em Lana Del Rey — Uma análise impecável por Luizza Milczanowski
◖Na edição anterior de A adulta
um microconto
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima edição!
a poesia salva.
Que lindo, Anny! Que lindo, que lindo!
A poesia resgata aquilo que não tem nome né?
Fico feliz que tenhamos encontrado a poesia!
E que sigamos com ela! 😊
Lendo seu texto, lembrei do livro de poemas de José Luís Peixoto: A Criança em Ruínas. É um livro triste, não vou mentir. E lindíssimo também.
Deixo a dica!
Obrigada pela edição!