A adolescência sempre me convida a escrevê-la.
Fora o meu romance, em fase de reescrita, tenho outros dois projetos que se passam nessa fase da vida: a das descobertas, do amadurecimento, dos amores urgentes, dos amores com gosto de bala de morango mas que ardem como limão na ferida.
Lembro da minha adolescência. Um doce amargo. Lembro das garotas com seus fichários, o lápis de olho preto, o gloss de morango para embelezar os lábios ou para convidar à um beijo. Lembro do sol escaldante de uma Fortaleza nos anos 2000, meu radinho portátil com fones, meu celular Nokia 1100, a blusa da farda sempre limpa, minha única calça jeans, os cabelos sempre longos e indisciplinados. O colégio ao lado de uma pracinha com uma igreja católica, onde muitos gazeavam aula. Eu. As amigas no pátio. Quais as novidades? Qual a próxima matéria? Fez o dever de casa? Os professores legais. Eu querendo ser perfeita. Corações e florezinhas sendo rabiscados no caderno no meio das explicação de matemática, física e química. Eu, completamente apaixonada. Eu, com o coração em caquinhos impossíveis de serem colados. O último tempo. Eu louca pra ir pra casa assistir Malhação ou o remake de Rubi. Eu com as amigas, um mundo acontecendo a nossa volta, cheio de mudanças. A crise de 2008. A crise dos sentimentos não correspondidos! A crise do que não saber fazer com o futuro que parecia tão desértico.
Tudo há tanto tempo. Bem ali.
No meu romance ideal, o que estou escrevendo, e chamo assim por influência da música do Paralamas do Sucesso, é um amor comum. Juvenil. Bobo, bobo e sério, sério. Em terceira pessoa. Numa Fortaleza que descubro a cada nova pesquisa. Motos aceleradas e saias plissadas. 1987. Dois jovens improváveis.
Eu não tenho cursos em escrita criativa. Tenho algumas dificuldades em formar o texto. Em chamá-lo: texto. Em chamá-lo: livro. Eu tenho uma ideia. Eu tenho uma referência. Eu tenho minhas leituras. Eu tenho meus personagens. E tenho medos paralisantes.
Mas é o romance juvenil que mais quero escrever. Tentar. Acreditar como uma pagã cheia de fé, como se contasse capítulos em um rosário: sou escritora.
A cantora Lorde resumiu meu projeto literário juvenil. Em uma publicação no Facebook, quando completou 20 anos, disse: “Por toda a minha vida eu tenho sido obcecada com a adolescência. Mesmo quando eu era pequena, eu sabia que os adolescentes brilhavam. Eu sabia que eles sabiam algo que as crianças não sabiam e os adultos acabaram se esquecendo.”
É isso! Me enche de vida! Foi nessa frase que encontrei o meu propósito.
Eu quero que meus adolescentes brilhem nas páginas de um livro. Meus adolescentes, direto da capital cearense, descobrindo o amor, as dores do amadurecimento, as amizades verdadeiras. O meu romance ideal não tenta trazer uma história perfeita, muito pelo contrário. É um resgate dessa fase da vida. Uma ode à adolescência, à rebeldia, aos beijos com gosto de algodão doce, às borboletas dentro do estomago, às lágrimas dos corações partidos. É sobre fugir de madrugada para viver um instante de amor, de descobertas.
É a desobediência.
São as brigas homéricas, os flertes, os fins do mundo por conta de uma espinha ou de uma ilusão desfeita. São os pais imperfeitos ou negligentes, a redemocratização do Brasil pós ditadura militar, a inflação, a Aids, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, a Legião Urbana, o RPM, a Madonna. São as revistas Capricho, os pôsteres colocados nas paredes, os gibis, as bancas de jornal, a sombra azul nos olhos, as jaquetas maneiras, os cabelos rebeldes, as cores, as rivalidades com socos e xingamentos impronunciáveis aos ouvidos das minhas meninas da escola católica. São os rapazes arruaceiros querendo descolar uma gatinha em suas garupas e o sentido de futuro, em busca de um rumo.
Tão perdidos.
Não é fácil ser adolescente. Todos aqui já foram — ou ainda são. Todos nós tivemos medos, paixões, tristezas, desejos, esperanças, sensação de deslocamento, de que ninguém nos compreendia, as chateações, as delícias, as amizades, as inseguranças com o próprio corpo e sentimentos.
A adolescência é um período tão vulnerável e frágil, tão intenso e misterioso, onde nos sentimentos tão invencíveis — ou muitas vezes insignificantes. Mas é também nessa fase que, ao primeiro sinal de amor, nos sentimos capazes de tocar o céu e, sem medo, lá de cima, pular. Sem paraquedas, sem cama elástica no chão.
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◖Na edição anterior de A adulta
um conto sobre os corações partidos da adolescência
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima edição!
Nunca entendi o motivo, mas sempre acreditei que o auge do vida acontece quando se tem 17 anos kkk adoro a sua obsessão com a adolescência, me faz relembrar da minha versão novinha, quando dividia o cd do charlie brown jr com a minha melhor amiga ❤️
leitora nova aqui Anny e quero te contar como seu texto me encontrou.
é quarta feira de cinzas, abro meu e-mail e vejo esse seu título, minha filha de dois meses dorme no meu colo e eu me sirvo uma xícara de café pra ter pelo menos um momentinho de leitura pós uma noite quase em claro. leio dando algumas risadinhas e quero te dizer que compraria teu livro agora! seu texto fez a mágica de me lembrar em meio ao puerpério, das memórias da minha adolescente e do quão pouco ela temia. resgatei um gole de coragem e um gole de rebeldia.
obriiigada 💫