A fetichização da profissão de secretária
Pornografia, assédio sexual, literatura, machismo e a influência da mídia
Em 2017, escrevi meu TCC com o seguinte tema: Assédio sexual: o machismo que as secretárias enfrentam na profissão, trabalho esse no qual tive o privilégio de ser orientada pela professora universitária, blogueira e ativista feminista Lola Aronovich, na Universidade Federal do Ceará.
Até antes de fazer minha inscrição no Sisu, em 2013, eu nunca tinha pensando na profissão de Secretariado Executivo. Como muitos naquela época (e talvez muitos até hoje), eu nem sabia do que se tratava a profissão, e muito menos que tinha faculdade para isso, ainda mais à nível federal. Eu escolhi o curso, assim, muito sem pensar. Não tive a graça de ter um desejo por uma profissão desde cedo, pensei em escolher Letras porque gostava de ler (o desejo de ser escritora ainda não tinha nascido), mas optei por algo mais corporativo pela chance de ganhar melhor (ninguém me avisou). E uma das coisas mais assombrosas que descobri durante os anos de graduação foram os estereótipos que a profissão carregava, e que até eu mesma carregava sem saber. Por exemplo, eu pensava que apenas mulheres faziam o curso, e que essa era uma profissão de mulher.
E então descobrir a fetichização sexual que existia pela figura da secretária em filmes, novelas, música, produções pornográficas e bastante na literatura, onde é disseminado nesses espaços a ideia de que essas profissionais desenvolvem relacionamentos ou casos com seus chefes. Outra ideia passada é de que essa profissional é sempre uma bela mulher branca, sensual e provocante, que atende os padrões de beleza estabelecidos.
Segundo estudos, é possível dizer que o ofício do profissional de secretariado surgiu ainda na antiguidade, com os Escribas, que tinham o domínio da escrita ao redigir ordens dos governantes, guardar segredos estratégicos e eram responsáveis por documentos diversos, ocupando ali um lugar estratégico, de “braço direito” de um governante.
Com a Revolução Industrial e as Grandes Guerras, o uso do trabalho feminino nas empresas se tornou essencial, e daí a ideia de que esta é uma “profissão feminina”. E como a vida de uma mulher nunca foi fácil em nenhum lugar do planeta, questões como assédio sexual e machismo também marcaram a trajetória da profissão.
No livro Secretariado: Dicas e Dogmas, de Vânia Figueiredo (1987), encontrei a seguinte passagem sobre o comportamento das secretárias naquela época:
Trecho retirado da minha monografia:
Depreende-se que desde sempre a profissional secretária sofreu com o estigma de ser relacionada de forma íntima com seu superior, ainda mais se este fosse casado. O receio de não ser vista como uma mulher profissional, de ser um “risco” à imagem de seu chefe e de se expor ao julgamento social, principalmente o masculino, fez a secretária adotar uma postura de “macho-fêmea” para exercer seu cargo. Assim, a secretária tida como atraente era evitada, pelo bem da imagem do chefe que não podia correr o risco de ser associado a ela de forma íntima.
1. A imagem da secretária no campo da pornografia:
Trecho retirado da minha monografia:
A objetificação e sexualização da profissional secretária são exploradas incansavelmente pela indústria pornográfica, em que as “fantasias sexuais” exploram ao máximo a imagem da secretária, criando cenários em que o assédio sexual é visto como erótico, excitante, e agradável para a vítima. Tais cenários deturpam a imagem profissional e transmitem a ideia de que a secretária está à disposição de seus superiores hierárquicos, lançando no imaginário destes que seus meios de sedução serão aceitos, quando na verdade podem se tratar de atos criminosos de assédio sexual.
Mas não é apenas a profissão de secretária que é sexualizada, a de enfermeira e professora, por exemplo, também são outras profissões usadas à exaustão pela pornografia. É claro que não estamos aqui pedindo uma lei que proíba o uso da imagem da profissão ou acreditamos que um dia isso irá mudar. A indústria pornográfica jamais será parada ou controlada. É ingenuidade feminista pensar isso. A pornografia é livre para falar do que quiser, criar suas histórias e “roteiros”, mas não se pode negar a direta influência do machismo nessas "produções", uma vez que manifestam e disseminam a ideia do homem em uma posição de poder sobre a mulher, seja pelo nível hierárquico ou dos papeis de gênero. E reforçam, ainda, estereótipos tão antigos em relação a profissão de secretária.
2. A imagem da secretária no campo da literatura hot:
Na literatura hot, não muito diferente do ambiente pornográfico, encontramos numerosos títulos na Amazon com a secretária como protagonista de um romance quente no escritório.
Trecho retirado da minha monografia:
Em livros de classificação erótica, a imagem da secretária também é explorada com um grande acervo de títulos que vão desde “O CEO e a Secretária” e “Obedecendo ao Chefe”, até títulos bastante explícitos do tipo “Satisfazendo o chefe”. Estes livros trazem a imagem sexualizada da secretária em suas histórias, onde as personagens desenvolvem um relacionamento amoroso e sexual com seus superiores. Mídias desse tipo reforçam ainda mais essa romantização e sexualização do relacionamento chefe-secretária.
Ao contrário do que as leitoras ávidas de hot com CEO possam pensar, relações pessoais entre secretárias e chefes são muito, muito, MUITO raras. Nunca ouvi tal relato de qualquer profissional que conheci ao longo da carreira. Além de que temos um Código de Ética, onde lemos no Capítulo III, Dos Deveres Fundamentais, Art. 5º, item b), o seguinte: "direcionar seu comportamento profissional, sempre a bem da verdade, da moral e da ética".
Parece algo meio conservador, mas eu levo isso bem a sério. E não estou sugerindo que uma relação legítima não possa nascer no ambiente de trabalho entre pessoas de níveis hierárquicos tão definidos, mas historicamente mal interpretado. Não é algo tão simples como a ficção mostra. Conheço colegas secretárias que foram assediadas pelos chefes (casados ou não). O assédio é muito mais comum do que o romance.
Acreditem.
3. A imagem da secretária no campo do cinema/novelas:
Trecho retirado da minha monografia:
Os filmes sobre secretárias também mostram de forma explícita a alusão de
que a secretária sempre tem um caso com seu chefe. No filme Uma Secretária de
Morte (2010), a personagem principal, em um diálogo com seu chefe fora do ambiente
de trabalho, ouve dele a seguinte frase: “sempre transo com minhas secretárias”. Em
um momento posterior, sozinha, reflete: “eu meio que fui assediada sexualmente”.
Podemos perceber aqui uma clara realidade, o momento em que a linha tênue da
paquera fica estreita demais em relação ao assédio sexual. Essa percepção é fundamental no ambiente de trabalho.
O filme A Secretária, de 2002, com a atriz Maggie Gyllenhaal (A Filha Perdida e Batman: O Cavaleiro das Trevas) é ainda pior. Embora um dos temas da
produção seja o BDSM, a protagonista é uma secretária que tem um caso e
eventualmente se casa com seu chefe. A capa e o pôster do filme trazem uma mulher de minissaia ou vestido, de costas, com foco nas suas nádegas, em que está escrito
o título do filme, Secretary.
Como eu disse, o trabalho criativo (ou pseudocriativo) pode tomar muitas liberdades em suas narrativas, esse não é o problema, o problema é quando se reforça preconceitos, machismo e estereótipos. A imagem da mulher, inclusive da mulher enquanto profissional, é constantemente invalidada, questionada, diminuída, julgada, assediada. Precisamos ficar constantemente vigilantes, defendendo os nossos espaços conquistados, nos mínimos detalhes.
Trecho retirado da minha monografia:
A profissional secretária, através de uma imagem estereotipada e deturpada da profissão, teve por muito tempo sua imagem associada a seu superior como sendo sua amante. Pela sua posição como assessora direta, muito se julgou o seu papel no ambiente de trabalho. Pode-se dizer que essa imagem da secretária também foi alimentada pelo machismo na profissão, já que este atribui aos homens o julgamento da conduta das mulheres e a absolvição do homem pelo que ele vier a fazer de errado.
A profissão de secretariado executivo é uma profissão muito solitária, e em comparação com outros cursos mais visados nas ofertas das universidades, ainda hoje pouco se entende sobre seu real papel e importância estratégica dentro das empresas, de todos os portes e setores. Somos generalistas, nos adaptamos aos mais diversos perfis de executivos e atividades, ocupamos cargos em todo o mundo, acompanhamos a evolução da tecnologia e dos processos organizacionais, e os estigmas que acompanham a trajetória da profissão não nos definem.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas bem legais
um clipe, uma newsletter e o novo álbum da Taylor Swift
◖Taylor Swift lançou mais um álbum, o brevemente aguardado The Tortured Poets Departament. Ainda não tenho uma opinião formada e nem sei se formarei, mas achei parecido com Folklore (meu álbum favorito). Adorei a melancolia, e com certeza escutarei muito em noites insones e dias chuvosos. Só espero que agora ela pare de produzir por um tempo e nos deixe sentir falta dela, como bem coloca Lyara Vidal nessa edição de sua newsletter.
◖Um amigo músico também lançou uma nova música (e clipe) lá no YouTube. Vem conferir um pouquinho o que está sendo lançado pelos artistas autorais de Fortaleza!
◖A Fabiane Guimarães falou sobre a fase em que chegamos no meio do livro, onde me encontro no momento.
◖Na edição anterior de Tempo estranho
falei dos realities sobre o mercado imobiliário de luxo nos EUA, e pelos quais sou obcecada!!!!
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima!