Eu nasci em janeiro de 1992, época em que o caçador de marajás (Fernando Collor) era o presidente e uma crise política e econômica assustava a todos. Como uma pessoa pobre, de família pobre, estruturas precárias e poucos acessos, passei por toda "sorte" de situações na infância.
A política e a economia decidindo meu destino social.
Em 2003, eu tinha quase onze anos quando Lula assumiu a presidência do Brasil, em seu primeiro mandato. Um trabalhador igual os membros da minha família, de origem pobre como eu. Claro que eu não entendia de política, não sabia ainda como ela envolvia minha vida, a decidia, a direcionava, mas eu sabia quem era o Lula, o "pai dos pobres". Aquele senhor barbado, de voz engraçada, sorriso simpático, quase parecia pertencer ao pessoal lá de casa. Ele queria acabar com a fome, ele queria que eu tivesse comida no prato — no qual faltou muitas vezes. Lula nos fez sentir segurança e esperança na política, principalmente governando para o trabalhador, para o pobre.
Nosso companheiro.
Hoje, tenho 32 anos e vivo no terceiro mandato de Lula. Ele é o presidente mais votado da nossa história política. O Nordeste o elegeu, o ajudou a conquistar todas as suas vitórias. O Nordeste é vermelho e quente de sol. Meu Ceará, minha Fortaleza. E agora, pós-Bolsonaro e pós-pandemia, estamos quebrados, desgastados, desacreditados. Tão cansados! Não há mais a inocência da infância.
Nas eleições de 2022, fiz o L, fui votar de blusa vermelha, cantei "vai dar PT" nos pré-carnavais de 2023 pós-eleições, comemorei a vitória igual quando comemorei o penta em 2002. Aquele 2002: Lula e Brasil campeões. Que ano! Mesmo que eu não entendesse a importância de ambas as coisas.
Quando vejo a foto de capa desta edição, Lula falando aos metalúrgicos em greve histórica, qualquer coisa dentro de mim se move e vibra. Lula hipnotiza, é do povo, o homem sabe falar, sabe atingir nosso coração sedento nos lugares certos, tem postura de líder, um revolucionário. Lula é uma lenda, uma estrela do rock. E Lula é apenas humano. Acredito que ele fez muito do possível e faz, mesmo que a máquina política nos triture sem parar.
Há erros dele, erros dos que estão com ele, erros centenários de todos que vieram antes dele, erros em toda a estrutura, erros nossos. Muito escuto falar que a esquerda se perdeu, que deu espaço para a extrema direita conquistar tantos adeptos e apelo político. Esse é um mundo selvagem, canibal, bárbaro, mesquinho, não é mesmo? Acreditar que um “salvador” político pode governar sem mácula, falhas é tão absurdo quanto achar que alguém como Bolsonaro jamais voltará ao poder. E isso me apavora. A política de Bolsonaro deixou marcas ameaçadoras que não vejo mais como podem ser reparadas. O mal já se alastrou. Doença incurável.
Mas a vitória de Lula nos devolveu um pouco de sanidade, de esperança, de possibilidades, de futuro. Eu acredito nisso. Lula não é da minha família, a insegurança política me atormenta, mas ainda o escolheria outra vez. Também escolheria uma alternativa, gostaria muito de ver o PSOL nos representando, por exemplo. Mas todas as coisas boas que o governo do PT fez pela minha classe social são indiscutíveis. Todos as falhas do governo Lula são apontadas e devem ser cobradas. Que se cumpra o máximo possível do prometido, que se mantenha o máximo possível dos direitos conquistados.
Que haja progresso. Democracia acima de tudo e de todos.
Ainda me digo de esquerda. Uma progressista. Gostaria de ser uma típica brasileira e passar o dia rindo de memes na internet, mas a divina comédia política do nosso país há muito que não me faz rir, o inferno político pode queimar e condenar mais do que aquele bíblico e de Dante.
Queria ser totalmente alheia a essa coisa de política, mas não posso me dar a esse luxo. Não sou naturalmente otimista, esse exercício me exige um movimento extremo das articulações. No nosso país tudo pode ser tão absurdo e inacreditável.
Mas continuo tentando lutar contra a desilusão política diariamente enquanto cidadã, mulher, uma trabalhadora.
Uma companheira.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas bem legais
três newsletters e um vídeo
◖Ser adulto é sobre fazer o que precisa ser feito, e a Vanessa Guedes escreveu um texto que todos deveriam ler sobre a vida de adulto (que é bastante insalubre, vamos combinar);
◖“A vida de um autor nacional é inglória (…)”, nessa newsletter (para apoiadores), Fabiane Guimarães fala sobre como divulgar o livro e chegar nos leitores. Dicas preciosas!
◖A escritora cearense Jarid Arraes está agora de newsletter!
◖Essa apresentação do RPM cantando Revoluções por minuto no festival Mixto Quente em 1985. Sim, os anos 80 foi a época de ouro da música nacional!
◖Na edição anterior de Tempo estranho
falei sobre a objetificação da figura da secretária (minha profissão CLT)
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima!