Hoje, sexta-feira treze, o dia está colorido e dançante: é o Dia Nacional do Forró!
Quadris, pernas, braços, cabelos: e uma dança começa.
Em clipes antigos — e na minha memória de menina que crescia nos anos 90 —, vejo mulheres como as cantoras Kátia Cilene e Eliane, sorridentes, cabelos volumosos e selvagens, e que dançavam ao som do forró, esse ritmo pulsante e cheio de vida. Coloridíssimo! Porque o nordeste é colorido, e não terroso como as novelas da Globo o faz parecer.
O forró deve muito às mulheres, embora Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, seja sempre o mais reconhecido — ele nasceu em 13 de dezembro, por isso a data comemorativo. Mas, como feminista, minha balança sempre vai elevar as mulheres em primeiro lugar. Eu cresci ouvindo forró, em sua maior parte na voz de uma mulher. Eu descobri Gonzaga muito, muito tempo depois.
Eu sei de cor até as canções que achava que não sabia até tocarem no barzinho insalubre na esquina da minha rua ou nas playlists pela cidade, as exigindo para mim como uma reza esquecida.
E como não cantar Planeta de Cores, do Forrozão Tropykalia, a plenos pulmões?
Mas não vê que o amor não se esconde
Mesmo em silêncio pode se ouvir ao longe
Não se foge, não se pode negar o amor
Só entregar-se A ESSE PLANETA DE CORES
Tudo balança ao som gostoso de uma sanfona, do teclado e do triângulo no forró tradicional, ou na mistura do forró eletrônico, com influências do axé, do pop, da lambada, e do qual a banda Mastruz com Leite foi a precursora lá no início dos anos 90.
É arrasta-pé pra cá e pra lá. Corpos que se encontram. Histórias que se contam.
Uma das músicas mais importantes do forró, Saga de um vaqueiro, composta pela Rita de Cássia — outro grande nome do forró — e popularizada pela banda Mastruz com Leite, tem pouco mais de oito minutos, sendo uma das músicas mais longas da música brasileira, e conta a história de um peão em meio as dificuldades da vida sertaneja, mas também de um amor impossível.
Vou pedir licença pra contar a minha história
Como um vaqueiro tem suas perdas e suas glórias
Mesmo sendo forte, um coração é um menino
Que ama e chora por dentro, e segue seu destinoDesde cedo assumi minha paixão
De ser vaqueiro e ser um campeão
Nas vaquejadas sempre fui batalhador
Consegui respeito por ser um vencedorDa arquibancada, uma morena me aplaudia
Seus cabelos longos, olhos negros, sorria
Perdi um boi naquele dia lá na pista
Mas um grande amor surgia em minha vida
A canção narra o desenrolar desse amor, a proibição da família da moça que não queria que ela se cassasse com um simples vaqueiro, mas com um fazendeiro. O vaqueiro, então, marca de se encontrar com ela para fugirem, mas ela não aparece. Ele vai embora e retorna depois de 17 anos, a reencontrando em uma vaquejada, na qual perde o primeiro lugar para um jovem rapaz que descobre ser seu filho. Poderia ser uma ótima história para um livro!
Rita foi uma das maiores compositoras do forró eletrônico, e faleceu em 2023. Além de Saga de um vaqueiro, compôs a música Meu vaqueiro, meu peão , interpretada por outra gigante do forró, a Kátia Cilene, na época também da banda Mastruz com Leite.
Nela, a figura de um peão como herói e símbolo de força e virilidade é também celebrada, e claro, o amor. Dessa vez, a história é contata pelo ponto de vista da mulher:
Já vem montado em seu alazão
Chapéu de couro, laço na mão
Seu belo charme me faz cantarNo rosto, um grande lutador
Que trabalha com calor
Com toda dedicaçãoÓ meu vaqueiro, meu peão
Conquistou meu coração
Na pista da paixão e valeu o boiTeu amor valeu o boi
Teu calor valeu o boi
Ter você valeu o boi
Meu vaqueiro
O forró é um ritmo nordestino, mas não foi popularizado apenas por artistas do nordeste. Entre as mulheres no forró e suas vertentes, temos as pernambucanas Anastácia (considerada a Rainha do Forró) e Marinês (Rainha do Xaxado) e carioca Carmélia Alves (Rainha do Baião) — que foram pioneiras na popularização do forró quando o principal nome era de Luiz Gonzaga. E as mais recentes artistas, que vieram da década de 90 pra cá como a pernambucana Kátia Cilene, a paranaense Eliane (também considerada a Rainha do Forró), as cearenses Rita de Cássia e Taty Girl, a baiana Solange Almeida e a manauara Márcia Felipe foram importantes na construção e manutenção do cenário forrozeiro.
O título desta newsletter é do álbum Frevo Mulher, da fortalezense Amelinha, um dos maiores nomes da música popular do Ceará e do Brasil. A faixa-título é um dos grandes símbolos do forró.
Amelinha, que ficou conhecida com seu segundo LP Frevo Mulher, ajudou a abrir caminho para a música do Ceará tomar o cenário musical nacional, principalmente para as mulheres. O álbum, para muito além do ritmo de forró iniciado com a faixa-título — que é uma composição de Zé Ramalho com quem veio a se casar —, mistura outros ritmos, arranjos, sentimentalismo, misticismo. É uma experimentação de uma grande artista e mulher nordestina.
Sobre Frevo Mulher, Amelinha disse:
[...] “É uma explosão, uma energia contagiante”, define Amelinha, responsável por lançar o hit em 1979, no álbum homônimo que lhe valeu o disco de ouro pelas mais de 100 mil cópias vendidas. A entrega da intérprete à canção tinha mais um motivo. “Sou a musa da letra”, aponta. Ela e Zé Ramalho haviam acabado de começar a namorar e se encontravam no Hotel Plaza, no Rio. Eles seriam casados entre 1978 a 1983, e teriam dois filhos. No estúdio, Ramalho via os compositores levarem músicas para Amelinha e serem recebidos com leveza e simpatia.
Logo, cunhou o verso “Quantos elementos amam aquela mulher”. O trecho “Quantos aqui ouvem os olhos de fé”, recebeu um adendo de Amelinha, que incluiu a palavra “eram”. “O Zé tem esse lado profético, visionário. E eu canto ‘eram’ como um testemunho”. Ela percebe ainda “uma estranheza de misturas planetárias” na canção. “Tem horas que parece tango, depois passa para uma coisa portuguesa, com influências árabes, da Turquia, meio indiano e com um acento muito forte do chão nordestino. O Zé tem uma forma de escrever com metáforas muito interessantes, ela é exótica. Tem gente que já me falou que nem sabe o que está cantando, mas gosta da música.
O forró é isso: uma mistura planetária!
Cito Amelinha como uma das mulheres mais importante na popularização do Forró porque ela viveu uma época de efervescência cultural cearense, nos anos 70. Amelinha fez parte do grupo musical Pessoal do Ceará, que tinha nomes como Belchior, Fagner e Ednardo, e chegou a cantar com Vinicius de Moraes e Toquinho.
Ela teve muita visibilidade nacional, mostrou a mulher cearense, a cantora que atravessaria as décadas. A faixa Frevo Mulher teve um grande impacto no forró, trazendo frescor, possibilidades, poesia:
Gemeram entre cabeças, a ponta do esporão
A folha do não-me-toque e o medo da solidão
Veneno, meu companheiro, desata no cantador
E desemboca no primeiro açude do meu amorÉ quando o tempo sacode a cabeleira
A trança toda vermelha
Um olho cego vagueia procurando por um
Frevo Mulher não pode faltar no São João e Carnaval de Fortaleza!
O papel que essas mulheres e tantas outras tiveram na popularização do forró, fazendo o forró também coisa de mulher quando os homens dominavam o cenário, é de uma importância em nível regional e nacional. Quero deixar aqui minha homenagem às cantoras nordestinas (e agregadas) que fizeram do Brasil um lugar de pertencer e expandir a nossa cultura forrozeira, mas não só.
E claro que não poderia também deixar de citar as bandas que fizeram tanto sucesso e levaram o forró pelo o Brasil inteiro, lotando casas de shows, como Calcinha Preta — também conhecida como “a maior banda de metal do mundo”. A banda Limão com Mel, a já citada Mastruz com Leite, Aviões do Forró — do Xandy Avião e Solange Almeida —, Magníficos, Líbanos, Forró do Moído — aquela da Simone e Simaria —, Noda de Caju e até bandas obcecadas por sexualizar a juventude feminina em seus nomes sem o menor sentido como Garota Safada — do Weslley Safadão, que foi vocalista da banda por muitos anos —, Moleca Sem Vergonha, Gatinha Manhosa e Desejo de Menina.
Entre as músicas de forró, as minhas favoritas e ainda não citadas no texto, são:
Uma estrela, Desejo de Menina:
O amor me deixou aqui
Nessa esquina abandonada
Na fria madrugada
Sozinha na calçadaMas quando a cidade adormeceu
Um anjo lindo apareceu
Era você na minha vidaVi brilhar no céu com emoção
A luz na minha direção
Era você na minha vidaBrilho da lua, Eliane:
O brilho da lua sobre o mar
A brisa tão fria vem de lá
Me lembra teu rosto
Teu jeito e teu olhar (teu olhar)Quando estou em teus braços
Teu calor
Me aquece, me envolve
Teu amor
Me faz ver o mundo diferente
Ao meu redorPreciso de você pra esta canção
Preciso de você pro meu coraçãoPétalas neon, Noda de Caju, uma releitura de Hero, da Mariah Carey:
Eu sobrevivo desse amor
Acredite, por favor
Não tem como disfarçar
Está escrito em meu olhar
O paraíso é uma flor com mil pétalas neon
Basta olhar o céu azul e dizer: I love you
O legado do forró é vasto e tem para todos os gostos. Tem o forró de luta, de sol quente, de denuncia, de exaltação a vida simples, de contemplação ao sertão nordestino. Tem o forró do amor e suas desventuras, seus desejos e tristezas e suas próprias traduções de clássicos internacionais. Tem o forró de Luiz Gonzaga à João Gomes, de Anastácia à Mari Fernandez. O forró se reinventa e acompanha as novas gerações.
Seja falando do personagem sertanejo ou da busca pelo amor, que o forró não deixe de levar alegria, significado e cultura nordestina para vocês.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas
um álbum, quatro newsletters
◖O álbum Frevo Mulher, de Amelinha, em especial as músicas Dia Branco e Que me venha esse homem (que descobri ser uma poesia de Bruna Lombardi);
◖A Fal Vitiello, da Drops da Fal, e uma mulher que anda por várias lembranças;
◖A Maíra Ferreira, do Café com caos, e esse conto desconfortável sobre sonhos;
◖O Júnior Bueno, do Cinco ou seis coisinhas, e uma retrospectiva das últimas quatro décadas nos anos de 1984, 1994, 2004 e 2014;
◖O Fábio Biazetti, do Descarrilo, e essa trinca coronária.
◖Na edição anterior de A adulta
meus dez centavos sobre Fernanda Torres
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima!
Adorei!!
A versão de dia branco desse disco de Amelinha é uma coisa rica demais. Amoooo!!!
meu deus eu amo tanto a música muito popular muito brasileira. e seu texto, que enciclopédia, deu até vontade de ouvir amelinha e mastruz com leite.