#3 - Não, eu não vou sorrir, mas te mostro meus dentes
E Deus "fez" o homem, mas Ele deveria ter percebido que isso era ruim: sobre crentes cretinos e nefastos
Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão.
Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
(Gênesis 1:26-27)
Quando eu era criança, fui educada a creditar em Deus por causa da minha família por parte de ex-padrasto. Minha avó era uma devota, nosso quarto cheio de santos, sua mão sempre segurando o terço, seus lábios sempre cochichando orações. Eu era uma católica, me disseram. Tinha que rezar o Pai Nosso antes de dormir, fui obrigada a fazer a Primeira Comunhão, ir à igreja inúmeras vezes, confessar meus pecados ao padre, ser uma pessoa decente porque Deus castigava pessoas desobedientes.
Aos 14, entrei na igreja evangélica, por influência da família do meu ex-pai biológico. Permaneci até os 23 anos. Na adolescência eu não tinha muitos amigos, na igreja encontrei muitos amigos (alguns amigos que tenho até hoje e que também não estão mais na igreja). Eu não tinha referências masculinas, e na igreja encontrei referências em Jesus e nos líderes que eu admirava, que faziam eu me sentir ouvida e importante. Eu não tinha um pai, encontrei em Deus a figura do pai, “alguém” pra me amar e proteger. Mas em um dia banal, como muitos outros, decidi que não queria mais estar ali. Na igreja. Nele. Já não suportava. Todos. Tudo. A igreja, os dogmas, as crenças, os pecados, a Bíblia: tudo me pesava uma baleia ilhada. Quando os domingos voltaram a ser meus, me senti salva pela primeira vez. Ainda que eu continue odiando domingos.
Nesse tempo na igreja: vi pessoas sendo ajudadas e auxiliadas por pessoas sinceras e potencialmente honestas. Vi pessoas enganadas e influenciadas por pessoas desonestas e mentirosas. Vi líderes humildes e conscientes da condição humana e social. Vi líderes “superstar” querendo alcançar o palco do céu divino. Vi pastores andando de carrão do ano enquanto um membro de sua igreja pedia cesta básica para sobreviver mais um mês. Vi pastores construindo megas igrejas para caber seus egos. Vi pastores destilando seu veneno elitista e dizendo que "recebeu de Deus" a missão de pregar [sua mediocridade] para pessoas ricas e de alto nível intelectual.
Vi os autos declarados missionários, profetas e evangelistas querendo levar sua "graça" aos indefesos sociais que tinham que "aceitar Jesus" depois de receberem o básico que custaria muito caro depois. E vi crentes cretinos serem acusados de agressões, estupros, homofobia, intolerância religiosa, estelionatos e tantos outros crimes. Tantos. TANTOS!
Nesse tempo fora da igreja, ainda os vejo. Estão por toda parte. Os vejo na bancada evangélica, na política, promovendo barbáries como o PL que queria criminalizar vítimas de estupro por aborto.
Leio no noticiário as RECORRENTES notícias de homens de Deus que estupraram e desumanizaram os corpos de menininhas — menininhos — e mulheres. Eles oram o Pai Nosso enquanto seus pênis nefastos destroem vidas.
Fui subjugada pela ideia de Deus por muito tempo: o da bíblia, o da igreja, o da família, o da história religiosa. O do meu coração. Mas não é mais possível acreditar que esse Deus-Pai no qual acreditei seja também o Deus desses crentes cretinos, seja o Deus que sentenciou Eva (enquanto mito ou verdade para os que creem), a a todas nós quando disse em Gênesis, capítulo 3, versículo 16: “SEU DESEJO SERÁ PARA O SEU MARIDO, E ELE A DOMINARÁ", como parte da condenação de Eva por ter comido do fruto proibido: o conhecimento.
Essa passagem condenou tantas mulheres ao longo da história da humanidade a uma vida de agressões, perseguições e abusos. É IMPERDOÁVEL! O patriarcado foi e é aguado com o sangue e as lágrimas das mulheres!
A dominação masculina: humana e divina.
Compartilho desse pensamento que a Taize Odelli já escreveu em sua newsletter: “Não me interessa que ensinamentos a sua religião te trouxe, o quanto esses dogmas inventados por uma cabecinha problemática pavimenta a sua vida, se a sua religião diz que mulheres devem ser obedientes, castas, mães amorosas e esposas dedicadas (e você acredita piamente nisso), eu não respeito nem a sua religião e nem você. Não te considero um bom cidadão, só mais um inútil que é incapaz de sobreviver sem sugar a vida de uma mulher ou várias mulheres que, na sua concepção, estão aqui para te servir”.
A Bíblia é cheia de barbárie. Seus fiéis também. Eu não suporto mais nada desse meio. Eu sei que existem pessoas que realmente buscam um mundo mais justo, uma existência mais justa em nome de Deus, inclusive dentro da política, dentro de igrejas, na rua junto dos mais necessitados, mas eu só quero distância desse meio. Fiquem com suas bíblias, com seu céu, seu inferno, seus pecados e penitencias. Mas deixem meu corpo livre. Não ousem querer a minha alma. Não me peçam obediência. Deixem minha vagina e meu útero longe das suas crenças arcaicas!
Não sou contra Deus — até o escrevo com inicial maiúscula.
Não sou contra a igreja — sei que ela pode ser refúgio ou abrigo para alguns.
Não sou contra a Bíblia em sua totalidade — tem alguns bons conselhos.
Não sou contra a espiritualidade, nesse algo acima de nós, nesse novo lar no Céu, ou na ideia de salvação da alma. Mas eu perdi minha religião. Eu perdi minha ideia de Deus. Talvez até algum dia. Talvez até pra sempre.
Eu acredito que a fé é importante, que a fé em um ser superior consola muitas pessoas e faz das suas vidas algo menos pesado, embora isso seja meio ambíguo.
Deus "fez" o homem, mas Ele deveria ter percebido que isso era ruim. E quem fez Deus, também.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas
duas newsletters
◖A Taize Odelli fala sobre crentes cretinos aqui também.
◖A Dia Nobre falou sobre os crentes cretinos do mundo de The Handmaid’s Tale (e tão do nosso);
◖Na edição anterior de Tempo estranho
compartilhei algumas cartas de grandes escritores com ensinamentos valiosos
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima!
não duvido da fé e da espiritualidade de ninguém, mas às vezes tenho uma incapacidade absoluta de acreditar no tanto de maldade que fazem em nome de deus.
Um relato forte, um ensaio corajoso, uma lista para reflexões.
Eu era do meio, me deixou sequelas, ainda me desintoxico, para onde olho, eles estão.