Pertencimento e literatura
Sobre um trecho da nota de José de Alencar aos leitores de Iracema
Em determinado parágrafo na nota que Alencar põe na abertura do livro Iracema, diz: O livro é cearense.
Lindo.
O livro é cearense!
É a primeiríssima coisa que você, leitor, tem que saber.
Marcos Flamínio Peres, professor de Literatura Brasileira da USP, resume:
Iracema foi escrito em 1865 por José de Alencar (1829-1877) e conta a história de amor entre a indígena que dá nome à obra e o aventureiro português Martim. Iracema pertence ao povo tabajara e é a filha virgem do pajé. Martim é aliado dos pitiguaras, inimigos dos tabajaras, e está perdido em território inimigo. O encontro entre os dois dá início a um romance que serve de lenda para contar o surgimento do Estado do Ceará.
José de Alencar estava morando no Rio de Janeiro à época do lançamento do livro. Nascido em Messejana, bairro aqui de Fortaleza, ele e a família se mudaram para capital do império quando ainda menino. Longe da sua terra, escrevendo uma literatura brasileira, fez questão de lembrar e dedicar seu livro ao povo cearense.
E completou em outro trecho: Escrevi-o para ser lido lá (…).
Lindo, lindo, lindo!
Alencar se preocupava com o destino do livro, se seria bem recebido pela critica e pelos leitores cearenses, ele que já se considerava quase um estrangeiro: (…) qual será a sorte do livro? Que lhe falte hospitalidade, não há temer. As auras de nossos campos parecem tão impregnadas dessa virtude primitiva, que quantas raças habitem aí a inspiram com o hálito vital. Receio sim que seja recebido como estrangeiro e hóspede na terra dos meus. Se, porém, ao abordar às plagas do Mocoripe, for acolhido pelo bom cearense, prezado de seus irmãos ainda mais na adversidade do que nos tempos prósperos, estou certo que o filho de minha alma achará na terra de seu pai a intimidade e conchego da família.
Pertencer, ainda que longe. A literatura como ponte identitária.
Quando penso no meu romance, o meu maior medo é que ele não seja lido (e reconhecido) pelos meus conterrâneos, meu primeiríssimo público-alvo. Quero também dizer: o livro é cearense. Quero também dizer: escrevi-o para ser lido aqui.
Sim, façamos uma literatura planetária, mas quão delicioso deve ser reconhecido na sua própria terra!
Quando meu livro vier ao mundo, vou dizer:
O livro é cearense!
E reforço mais uma vez que, nós, escritores de fora do Rio, São Paulo e todo sudeste e sul, temos o direito de perguntar pelo Brasil e escrevê-lo!
E parafraseando mais uma vez os inteligentíssimos escritores do Manifesto Siriará:
Ave, palavra!
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas
cinco newsletters
◖O Brasil que eu habito, texto de Fabiane Guimarães sobre a lista dos 25 livros brasileiros do século 21 organizado pela Folha de S. Paulo;
◖Minha conterrânea, Jarid Arraes, também trouxe uma ótima reflexão sobre seu papel como jurada na tal lista;
◖A Raisa Monteiro fala da nossa vontade de pertencimento;
◖Em Vai como se fosse legal , texto por Gabriela Lagemann, não tem como não dar algumas risadas e se identificar com os perrengues da vida e ainda pegar ótimas dicas literárias;
◖A Gabriela Zambiazi escreveu sobre ter seu livro selecionado pela editora dos seus sonhos, e a conquista de um escritor publicado nesse Brasil deve ser a alegria de todos.
◖Na edição anterior de A adulta
falei sobre a escrita
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima edição!
não é por acaso que tolstói nos disse que, falando de nossa aldeia, seremos universais.
“Façamos uma literatura planetária” é muito lindo! Assim como vc, escrevo para que os meus consigam entender. E obrigada pela indicação… ainda mais ao lado dessas escritoras maravilhosas 💜💜