Escrevi minha primeira poesia nos meus idos 12 anos. Não, ali não foi a primeira vez que me encontrei escritora, isso foi muito, muito tempo depois. Um dia desses.
Eu, garota muito magricela, muito nariguda, cabelos que iam até a bunda — quase sempre cheios de piolhos —, uma coluna escoliosada: escrevia em um caderno amarelado na área de uma casa no meio do nada, de um bairro em processo de habitação que eu não sabia onde ficava. Me diziam que eu era de Fortaleza, capital do Ceará, estado do Brasil, mas isso não me dizia nada. As aulas de Geografia não me diziam nada. Mostrar onde eu vivia no mapa, não me dizia nada. Não me ensinaram a ser uma cidadã fortalezense. Minha identidade regional, assim como minha identidade como escritora, não foram descobertas por mim até a vida muito adulta.
Até os meus 14 anos, na cidade, eu só tinha andado em dois lugares: no bairro Messejana (onde uma prima morava) e numa parte do Centro (em locais bem específicos). Lembro da primeira vez em que fui ao shopping Iguatemi, na parte mais nobre da cidade, e fiquei impressionada, uma verdadeira abestada. Era a primeira vez que andava naquelas redondezas, que entrava naquele shopping que só ouvia falar. Era shopping de rico, diziam. Enquanto minha prima andava ali com suas amigas como se fosse o mais do mesmo, eu descobria um novo lugar em Fortaleza.
Eu escrevi minha primeira poesia aos 12 anos, mas não, eu ainda não era uma escritora. Eu era só uma menina em processo de existência nessa imensa cidade sobre a qual eu nada sabia. Eu ainda não sabia ser eu. Agora, sinto-me incendiada pelo ato de escrever o livro. Querosene nas pontas dos dedos. Entre pesquisas, referências e a construção do ambiente e personagens — e a minha vida acontecendo no meio disso tudo —, trabalho no texto a mais de um ano. Estou cada vez mais perto da finalização da primeira versão. Ora quero acelerar, ora estaciono na cautela. Meus adolescentes-personagens descobrindo amores, a vida, a cidade que não conheci na idade deles.
Quero que meu romance seja regional, nascido na cidade e protegido por sua placenta, mas também o quero entendido nacional e até universal! Meu livro é sobre o amadurecimento, amizade, o primeiro amor, mas também é uma declaração de pertencimento a Fortaleza, da qual só fui fazer parte adulta. É para me somar aos outros escritores antes de mim, uma contribuição para a literatura cearense. E nessa vontade pretensiosa, me assusta falhar.
Nascida e vivida em Fortaleza, mas só quando comecei a escrever o meu romance juvenil, me percebi fortalezense!
Quando uma escritora? Quando um livro? Quando uma cidadã?
Me descubro fortalezense e escritora quando minhas personagens andam pelo Benfica, dão um tempo na Praça do Ferreira ou pulam da Ponte Metálica para o mar da Praia de Iracema.
Me descubro fortalezense e escritora quando meu protagonista anda “vuado” pelas avenidas com sua moto, na qual se sente tão total quanto Vital no seu sonho de metal. Ele tão sem rumo, ele dando de cara com o amor!
Eu dando de cara comigo mesma.
◖Indicações de livros, matérias, entretenimento, newsletters ou outras coisas
dois ensaios
◖A escritora Betina Gonzáles escreveu esse ensaio sobre ser uma escritora e a cobrança pela genialidade.
◖Esse ensaio sobre contracultura, capitalismo e a esquerda política.
◖Na edição anterior de Tempo estranho
dei meu testemunho contra os crentes
◖Você também me encontra aqui:
Até a próxima!
Anny, quando leio seus textos, volto pro Ceará. Treze anos dos meus 40 eu morei em Fortaleza. De todas as cidades onde já morei é em Fortaleza que eu me sinto mais confortável. É estranho falar isso em alto e bom som porque eu migro há tantos anos, mas meus amigos (os verdadeiros) estão em Fortaleza. Conheci todos na UFC e tocam soninhos quando cruzo a avenida da universidade e a 13 de maio. Obrigada pelo seu texto.
Muito legal sua trajetória com a cidade e a escrita, Anny! Com certeza seu livro será um lindo reencontro!